segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sequitur



ACM morreu. E quem possa ter-me visto em momento privado –afinal, não estamos nunca totalmente a salvo de infelicidades tais, como bem remarca o nosso sábio Vice Presidente, comemorando, dando urros, socos no ar e agradecendo com mais este ouro para o Brasil na época do Pan, peço desculpas caso possa alguém ter se sentido um pouco... magoado, afinal, trava-se de um (sic) ser humano. Quase um bom velhinho, diriam alguns.

Mas Antônio Carlos Magalhães estava longe de ser um bom velhinho. E se a alcunha de Toninho Malvadeza era um orgulho para os seus fiéis vassalos, também era, aos seus adversários, uma dor cinicamente ignorada por parte da grande imprensa. "É inegável que ficará na história política do país": assim é apresentada na Globo a notícia de sua morte, afinal, isenção é sempre bem-vinda ao lidar com quem há tanto se firmou no poder. A polêmica será o próprio salvo-conduto da figura e símbolo do "padrinho", "painho" ou como seja chamado pelos pobres, pretos e infelizes moradores do Pelourinho de luto, afirmando na televisão que a Bahia perdera o seu grande benfeitor.

Tudo bem, haverá vozes dissidentes na grande imprensa arriscando uma acidez palatável aos editores, mas capaz de deteriorar um pouco a ilha da fantasia sempre criada neste país acerca de quem, independente de fatos, figura na soleira do "amado ou odiado", porém, jamais passará em brancas nuvens dentro da história.

Haverá, sim, quem não se esquece tão facilmente, por exemplo, de que em 2005 (como faz tempo!), o TCE baiano apontava uns míseros R$101 milhões de reais não muito bem esclarecidos em contratos com o Governo do Estado e empresas de publicidade. Nada demais também, o fato de licitações envolvendo a Bahiatursa estarem todas ligadas aos seguidores do clã Magalhães. O fato, dentre outras edições, foi noticiado pela revista Carta Capital. Por mera coincidência, grande número de exemplares foram retirados das bancas notadamente a mando do Velho Coronel da Bahia.

Serão muitas cartas abertas, e-mails como este, blogs, etc., sobre o ACM porque, desde sempre, há um movimento contra a corrente que tenta se fazer valer para expor os atos do Coronel. A VEJA, tão celebrada das salas universitárias às provas de vestibular, hoje venta seus ares de elite tupiniquim e blasé, mas há quem não se esqueça de que aliado ao clã do ex-Senador, estão os Civita, família da Editora Abril por onde se publica a revista líder de denúncias, bem apuradas ou não. Na mesma época da edição da Carta Capital denunciando o escândalo envolvendo inclusive o próprio ACM Neto que passou a ser sempre figura cativa nos closes do Jornal Nacional visando demonstrar indignação qualquer no Congresso, a VEJA abafava o caso com capas as mais chamativas possíveis sobre o Valerioduto, ainda que as cifras envolvendo as licitações baianas chegassem ao dobro do dinheiro envolvido no escândalo petista.

Mais ainda, a mesma matéria de denúncia contra ACM deveria ter saído semanas antes na ÉPOCA (Editora Globo, também por acaso, claro) e duas vezes foi "adiada". A matéria foi anunciada duas vezes e não foi publicada.

Coincidência maior, só o fato de que executivos da Editora Abril há muito tiveram lugares cativos, por exemplo, na administração e até na presidência da Caixa Econômica Federal durante o governo FHC, sob a égide do mesmo partido de Antônio Carlos Magalhães. É esta a imparcialidade da VEJA. É este o compromisso com a verdade da ÉPOCA, até hoje constrangida com o caso cobrado por vários leitores em cartas nunca publicadas.

ACM morreu há pouco. Mas não é preciso muito para adivinhar que os revistões irão dar a sua moderada mordida com ares de crítica quanto ao passado de ACM, mas logo em seguida virá a "sopradinha", afinal, ele, acima de tudo, inclusive dos fatos, já faz parte da história política do país. "Apoiou o golpe de 64" será contrabalançado com o quê? Com a velha afirmação de que "defendia o seu Estado com atitudes muitas vezes polêmicas"?

As denúncias contra ACM no caso dos grampos da Secretaria de Segurança Pública da Bahia foram arquivadas pelo STF. Mas também, quem já foi condenado pelo Supremo neste país? Ninguém. Antes de ser cassado, renunciou, como tantos outros. Assim como em nada deu a polêmica da quebra de sigilo na votação de Luiz Estevão.

Tudo isto faz parte de uma história longínqua demais para além da memória dos hebdomadários esquerdistas. Aliás, durante muito tempo ouvi que era "jovem demais" para poder falar sobre certas questões estranhamente "complexas" ao longo da história nacional. E, apesar de palavra de sogro não valer muito, não esqueço o que ouvi de meu ex-sogro, da própria boca de um torturado durante a ditadura, que não foi à toa que ACM se elegeu prefeito em 67 tendo sido eleito governador e reeleito nos anos subseqüentes até 83. Subversivo baiano não dança só axé, dizia ele, sorrindo na apresentação de balé da filha.

No entanto, estes tentáculos empoeirados e esquecidos desenterram justamente o que não deveria ser esquecido e exige um cálculo mental maior do que a leitura fácil maniqueísta dos revistões que precisam fazer média com os poderosos do país. Ainda que o rememorar não seja mais do que obrigação de quem sempre se faz valer da facilmente ostentada liberdade de imprensa em um país democrático. Não esqueçam jamais que durante a ditadura, ACM apadrinhou homens como Mário Kertèsz, um robô nas mãos do Carlismo já embrionário. Nos começo dos anos 80, ACM já desviava dinheiro na gestão de Salvador com obras turísticas. Casos da mesma estirpe das denúncias de 2005.

ACM tem um longo histórico de repressão a qualquer mídia que se oponha ao seu coronelismo. O hoje imortal João Ubaldo Ribeiro estava lá no Jornal da Bahia que tanto sofreu as intimidações e, finalmente, a intervenção por intermédio de ACM. Assim como ele, estava também Glauber Rocha. São nomes hoje celebrados que fazem parte da histórica perseguição do Painho da Bahia. São inúmeras as estações de Rádio possuídas pelos subalternos do Carlismo. O Correio da Bahia é uma piada em qualquer curso de jornalismo do Brasil ou, pelo menos, até que se necessite de um estágio para a grana das fotocópias da Universidade. Do mesmo Jornal da Bahia, sairia João Teixeira Gomes para contar muita coisa sobre quem foi ACM no seu livro "Memória das Trevas." Pelo título, não resta muito a dizer. Aliás, talvez valha a pena lembrar que à época do seu lançamento, oposicionistas liam o livro na Assembléia Legislativa a fim de que saíssem as denúncias no Diário Oficial. Mas daqui a algumas semanas e meses, não será a denúncia a estampa principal nas vitrines das livrarias. Serão biografias longe de espanarem a poeira das páginas esquecidas. Serão ondas de um puxa-saquismo da mais bela ordem.

Morrendo, é inevitável que Toninho Malvadeza seja humanizado. Como quando o foi durante a morte do filho, Luís Eduardo Magalhães. Quem sabe, nos próximos dias, sejam reavivadas as imagens de ACM sendo consolado por Roberto e Lily Marinho ou recebendo solidárias condolências até do Pedro Simon, também um pai que perdera seu filho. Não vou aqui meter o dedo na ferida contada à boca miúda – afinal, quem se atreve a escancarar demais a boca para os Magalhães? Mas se sabe que a filha, Ana Lúcia Magalhães, era homossexual e se matou com um tiro na cabeça logo depois de ligar para o pai a fim de informar-lhe que não suportava mais tudo o que havia passado – referências a discussões em família. E o paternal ACM não era muito de admitir sua vida romântica. Mas este não foi o único suicídio sob o teto da Casa Grande. Houve um genro que também foi encontrado morto com um tiro na cabeça, apenas três meses depois do casamento com Teresa Helena.

Golpe militar, nepotismo, apadrinhamento político, perseguição à imprensa e à oposição em geral, tragédias em família, cassação, jogo duplo e por aí vai.

O bom velhinho também se vai. E se fica o símbolo, que se discuta e se revele o que jaz aquém da carcaça do mesmo símbolo! Esperemos as matérias. Mas leiamos e busquemos mais, muito mais. O que não é dito, guarda um espanador e tanto.

Henrique Silva

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